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                                                                                                   (New York Movie - Edward Hopper)


Cá estava eu a pensar: que livro mereceria ser comentado neste primeiro post? Decidi que tinha de ser um livro impactante, daqueles que nos impressionam do começo ao fim. Dois me vieram à cabeça: O estrangeiro, de Albert Camus, e A metamorfose, de Franz Kafka. Literatura francófona e germânica da maior envergadura! Bom, optei pelo primeiro neste momento, mas em breve falarei do segundo...

Li O estrangeiro pela primeira vez no ano retrasado, nas aulas de francês. Desde o início me apaixonei pela obra! Não à toa, porque o primeiro parágrafo é sem dúvida um dos mais impressionantes da literatura: “Hoje, mamãe morreu. Ou talvez ontem, eu não sei. Recebi um telegrama do asilo: ‘mãe falecida. Enterro amanhã. Sentimentos distintos’. Isso não quer dizer nada. Talvez tenha sido ontem”. A partir deste primeiro parágrafo, o leitor já é capaz de estabelecer relação com o título da obra. O personagem Meursault, nosso “herói” em questão, não é um estrangeiro na acepção prosaica do termo, mas na acepção mais ampla; Meursault é um estrangeiro no mundo, um homem que não faz ideia sequer do dia em que morreu a própria mãe! Todas as páginas seguintes vão ratificar essa alienação do personagem: em relação a todos os aspectos da vida. Gosto muito de uma passagem em que Marie Cardona, que parece ser apaixonada por Meursault, pergunta-lhe se ele não gostaria de casar e se ele a ama. Meursault diz que poderia se casar, se ela assim quisesse, mas que com certeza não a amava. Outra passagem interessante em que Meursault mostra toda a sua indiferença para com o mundo é quando seu chefe o promove para trabalhar na capital francesa, Paris, perguntando-lhe se ele não tinha vontade de mudar de vida: “eu respondi que jamais se muda de vida, que, em todos os casos, todas as vidas se equivaliam e que a minha aqui não me desagradava. Mostrou um ar descontente, disse que eu respondia sempre à margem das questões, e que não tinha ambição, o que para os negócios era desastroso”. Meursault não atende às expectativas que as pessoas têm em relação a ele – que futuro pode ter um homem sem ambição nenhuma na vida? Bem, talvez tenham se esquecido de perguntar se Meursault realmente desejava ter um futuro...

Sempre que uma obra mexe profundamente comigo é inevitável a pergunta: ora, por que me identifiquei com este livro? Neste caso específico, será que tenho algo de Meursault? Não, não pode ser... de certo modo, tenho muitas ambições, sonhos e tudo mais. Todas essas coisas que dizem que precisamos para ser feliz. Creio que minha identificação com a obra é algo de outra ordem. Acho que, bem lá no fundo, todos nutrimos um pouco esse sentimento de desilusão em relação à vida; o mais otimista dos homens não pode negar que há momentos, talvez na escuridão de seu quarto, em que ele se pergunta se tanto sacrifício vale mesmo a pena. É como aquela famosa passagem de Hamlet, em que este diz algo do tipo: quem aceitaria tantos impropérios da vida podendo encontrar a solução de tudo na ponta de um simples punhal? Sim, um simples punhal “resolveria” nossos problemas! Mas achamos que a vida vale a pena e continuamos, não é? Isso que importa, afinal!

No fundo, apesar dos pesares, acho que Meursault é um cara corajoso por não se importar com absolutamente nada, nem consigo mesmo. Em todos os momentos ele tem a ousadia de falar a verdade, sempre a verdade (coisa que somos incapazes de fazer). Ao fim da obra, fazendo uma autorreflexão antes da morte, ele considera que foi um homem feliz, diz que a única coisa que poderia desejar é que houvesse muitas pessoas assistindo à sua execução, acolhendo-o com gritos de ódio.

O estrangeiro é um livro extremamente engajado, que nos faz ter vontade de quebrar o silêncio dentro de nós mesmos. Ao fim deste texto, chego à conclusão de que me identifiquei muito com a obra porque ela fala de um dos sentimentos mais caros ao ser humano: a solidão - o sentimento de se estar sozinho no mundo. A atualidade do romance de Camus hoje é impressionante! Cada vez mais numerosas, as cidades são cada dia mais solitárias, mas uma solidão que se esconde no olhar, que se traveste de uma alegria fugaz. Meursault não esconde o que sente, e por isso paga com a própria vida. Nele, todos veem uma figura que amedronta porque poderia ser qualquer um de nós. Esforçamo-nos para ter objetivos na vida, para fazer tudo como manda a cartilha: um bom emprego, uma família feliz... nada disso importa para Meursault. Aliás, por que deveria?

É isso, minha gente, fim de minha primeira crônica neste blog. Gritos de ódio a todos nós!




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